História natural e classificação da retinopatia da prematuridade

Em capítulos anteriores foi descrita a fisiopatologia da Retinopatia da Prematuridade. Para se perceberem os mecanismos que lhe estão subjacentes e para que seja possível estabelecer um protocolo de rastreio, é importante conhecer a sua história natural, devendo ser tidos em atenção a idade de início, o local de início, o tipo de progressão e a resolução da retinopatia.

Uma vez que são afectados os vasos retinianos mais imaturos, compreende-se facilmente que quanto maior for a prematuridade, maior será a incidência da retinopatia e maior a probabilidade de esta atingir formas graves. O peso ao nascer, parece ser o factor mais importante para estimar a sua incidência, estando descrito que esta é três vezes maior em prematuros com 600 a 1000 gramas de peso, do que naqueles que nascem com um peso entre 1000 a 1500 gramas (1). Por outro lado, num grupo de 579 crianças com peso inferior a 1700 gramas, Fielder et al (2) descrevem o desenvolvimento da retinopatia em 50,9 % dos casos, com um aumento da incidência e da gravidade na razão inversa do peso ao nascer e da idade de gestação. No estudo multicêntrico, denominado “Multicenter Trial of Cryotherapy for Retinopathy of Prematurity (CRYO-ROP)”, em que foram estudados 4099 prematuros com peso inferior a 1251 gramas (3), 65,8% desenvolveram uma dada forma de retinopatia, que aumentou para 81,6%, quando se teve em conta só os que pesavam menos de 1000 gramas e para 90% quando foram analisados somente os prematuros com menos de 750 gramas ao nascer.

A retinopatia da prematuridade, não está presente ao nascimento, podendo a idade do seu início situar-se entre as 29,7 e as 45 semanas pós-concepção (2), sendo-o em 75% entre as 30 e as 36 semanas. Por isso, a Academia Americana de Oftalmologia recomenda que o rastreio seja feito entre as 4 e as 6 primeiras semanas de vida ou entre as 31 a 33 semanas pós-concepção (4).

Nos recém nascidos mais imaturos, a retinopatia começa a desenvolver-se a partir da retina nasal (2), estendendo-se depois às outras regiões. A retina temporal é a última a ser vascularizada, e por isso é o local mais frequente de retinopatia, nos bebés menos imaturos. Quanto mais prematuro, mais posteriormente se localiza a retinopatia, e portanto maior é o seu potencial de progressão, uma vez que se está a iniciar numa zona de grande imaturidade.

A sua resolução depende da gravidade que atingiu. Se os estadios 2 e 3 não forem ultrapassados, a resolução será completa, sem qualquer consequência do ponto de vista oftalmológico (5). O estadio 3 pode ou não involuir dependendo da sua gravidade, de forma que quando a doença limiar (ver adiante) é alcançada, o risco de cegueira sobe para 50% (5).

A classificação da Retinopatia da Prematuridade foi publicada em duas partes, a primeira em 1984 (6) e a segunda em 1987 (7), sendo denominada ICROP (International Classification of Retinopathy of Prematurity). Recentemente, foi revista (8), por um comité internacional de 15 oftalmologistas, provenientes de 6 países e alguns deles membros do comité original do ICROP. Os aspectos que diferem da classificação original, são essencialmente a introdução do conceito de uma forma mais virulenta observada nos bebés de mais baixo peso (“agressive posterior ROP”), a descrição de um nível intermédio de doença “plus” (pré-plus) entre vasos do pólo posterior normais e a doença “plus” franca e ainda uma maneira prática de avaliar a

extensão da zona 1. Esta revisão, mais recente, recomenda que a classificação se faça da forma que seguidamente se descreve.

Localização da doença
È muito importante definir com exactidão a localização antero-posterior da doença. Como a vascularização da retina se inicia a partir do disco óptico, definiram-se (8) três zonas concêntricas centradas na papila (fig. 1). A Zona I, que é a mais interna, corresponde à área da retina englobada por um círculo, cujo raio é o dobro da distância que vai do centro da papila ao centro da mácula. A zona II, corresponde a um circulo de maior raio, sendo este a distância que vai do centro da papila à ora serrata nasal. A Zona III é o crescente residual de retina que se estende anteriormente para além da Zona II. Estas duas últimas são por convenção mutuamente exclusivas, e portanto só se pode afirmar que a retinopatia se restringe à zona III, se a retina nasal estiver completamente vascularizada até à ora serrata.

Extensão da doença
A retina global do olho, é designada em “horas” de relógio, de maneira que cada hora

compreende um extensão angular de 30o, abrangendo cada quadrante 3 “horas” ou seja 90o. O sector das 12 horas compreende o espaço de retina entre as 12 e a 1 hora e assim sucessivamente (fig. 1).

Estadiamento da doença
São identificados 5 estadios diferentes para designar o tipo de evolução da resposta vascular anormal na junção das zonas vascularizadas e por vascularizar da retina imatura. Como pode ocorrer mais de um tipo de estadio num determinado olho, para a classificação global do olho considera-se sempre o estadio mais avançado, sendo todavia registados todos os estadios em cada zona.

Estadio 1: Linha de demarcação
É uma linha bem definida que separa a parte anterior da retina, por vascularizar, da zona posterior a ela, já vascularizada (fig.2). É branca, achatada, está no mesmo plano da retina, e corresponde a uma ramificação anormal da árvore vascular.

Estadio 2: Crista
Gera-se a partir da linha de demarcação, e é como que uma proeminência desta, acima do plano da retina. Imediatamente posterior a ela, emergem por vezes tufos de neovasos, que todavia permanecem no plano da retina (fig3).

Estadio 3: Proliferação fibrovascular
Desenvolve-se uma neovascularização, com proliferação fibrovascular, a partir da parte mais posterior da crista, em direcção ao vítreo. Pode ser subdividida em ligeira, moderada ou grave, consoante a extensão de tecido fibrovascular que infiltra o vítreo (fig. 4).

Estadio 4: Descolamento parcial da retina
Se o descolamento não envolve a fóvea, designa-se por 4A, se envolve por 4B. São descolamentos parciais da retina, circunferenciais, e cuja extensão depende do no de “horas” de proliferação fibrovascular e do seu grau de contracção. Iniciam-se na zona de

ligação da proliferação fibrovascular à retina vascularizada, podendo a contracção do tecido fibroso fazer progredir o descolamento, tanto anteriormente, como posteriormente.

Estadio 5: Descolamento total da retina
É geralmente traccional, em forma de funil, sendo descritos três tipos conforme a forma do funil, que se divide numa parte anterior e noutra posterior. No primeiro tipo, ambas as partes se abrem, anteriormente e posteriormente, tendo o descolamento uma forma concava e estendendo-se até ao disco. No segundo tipo o funil estreita-se tanto na sua parte anterior como posterior, localizando-se a retina descolada atrás do cristalino. No terceiro tipo, menos comum, o funil abre anteriormente e estreita-se posteriormente, ou vice-versa.

Doença “plus”
Além dos anteriormente descritos, há sinais adicionais da gravidade da doença que devem ser tidos em consideração, como engorgitamento venoso e tortuosidade das arteríolas do pólo posterior. Posteriormente pode também ocorrer engorgitamento vascular da íris, com rigidez da dilatação pupilar e turvação do vítreo. Desde que estes sinais estejam presentes em pelo menos dois quadrantes, deve acrescentar-se o sinal “+” cada vez que se pretenda designar o estadio da doença.

Doença “pré-plus”
Pretende-se com esta designação identificar anomalias vasculares do pólo posterior que são insuficientes para o diagnóstico de doença “plus”, mas em que já há uma tortuosidade arterial e dilatação venosa superiores ao normal.

Retinopatia agressiva posterior
É uma forma invulgar, grave e que progride muito rapidamente para o estadio 5 se não for tratada. Caracteriza-se pela sua localização posterior e pela gravidade da doença “plus”, sendo observada com mais frequência na zona I, embora também possível de ocorrer na zona II. Ocorre precocemente, com tortuosidade e dilatação vascular, no pólo posterior, desproporcionado em relação ao aspecto da retina periférica, com “shunts” de vaso para vaso na retina e não como habitualmente na junção entre a retina vascular com a retina avascular. Extende-se circunferencialmente e é acompanhada com frequência por um vaso circunferencial.

Involução da retinopatia
Grande parte das retinopatias regride espontaneamente, passando da sua forma vasoproliferativa, para uma forma fibrótica, não progredindo para estadios mais avançados. A regressão da retinopatia deixa por vezes sequelas (quadro 1), devendo realçar-se como características da fase cicatricial a modificação da cor da crista, que passa de cor salmão para um aspecto esbranquiçado, anomalias vasculares com áreas de retina sem vasos, ramificação anormal destes, com formação de arcadas e telangiectasias. Alterações pigmentares com zonas mais ou menos pigmentadas podem ocorrer, assim como fenómenos traccionais, que podem ir de pequena distorção da arquitectura foveolar, até ectopia da mácula e descolamento da retina.

Importa ainda definir os conceitos de doença limiar e de doença pré-limiar. Considera- se “doença limiar”, a situação em que, na zona I existem pelo menos 5 zonas horárias

contíguas ou 8 cumulativas de retinopatia em estadio 3 ou então este mesmo aspecto ocorrendo na zona II, mas com a agravante de estar também presente doença “plus” (9). O conceito de doença pré-limiar (10), foi definido posteriormente, como sendo qualquer estadio inferior ao limiar, de retinopatia na zona I, ou a existência na zona II de estadio 2, mas com doença “plus” em pelo menos 2 quadrantes, ou a existência de estadio 3 na zona II, sem doença “plus”; ou ainda a existência na zona II de estadio 3, em número inferior a 5 zonas horárias contínuas ou 8 cumulativas, mas com doença “plus”.

A doença pré-limiar pode ainda ser subdividida, em de alto risco ou baixo risco (10), em função da avaliação efectuada por um programa matemático, que representa um algoritmo multifactorial, que integra importantes factores de mau prognóstico. Este programa, que representa um modelo de risco computorizado, denomina-se RM-ROP2, e é uma evolução do primitivo RM-ROP, que continha um número menor de equações matemáticas para relacionar os factores de risco individuais da criança, com a sua retina. Se o risco de evolução para um desfecho desfavorável (na ausência de tratamento) for igual ou superior a 15%, o olho é catalogado como pré-limiar de alto risco, se for inferior a 15% como pré-limiar de baixo risco.

Diagnóstico Diferencial
Apesar de terem sido descritos casos de retinopatia da prematuridade, em bebés de termo, com peso normal e sem história clínica de oxigénio suplementar (11, 12, 13), são raras as situações clínicas que se lhe possam assemelhar.

Nos estadios mais precoces, o principal diagnóstico diferencial é com a vítreo- retinopatia exsudativa familiar (14, 15), que tem aspectos que, quer na fase aguda, quer na fase mais tardia podem ser indistinguíveis da retinopatia da prematuridade (16). Com efeito, mesmo ocorrendo em crianças que podem ser de termo, na sua fase aguda pode apresentar ausência da vascularização retiniana periférica, exsudados retinianos e neovascularização extra retiniana (16). A sua evolução pode levar a alterações tardias semelhantes, como sejam o “dragging” temporal da mácula, membranas no vítreo, tracção vítreo-retiniana, rasgaduras e descolamento da retina.

Nas suas formas mais avançadas a retinopatia da prematuridade deve ser distinguida das outras doenças que podem causar leucocória, como o vítreo primário hiperplástico persistente, o retinoblastoma e a doença de Norrie.

O vítreo primário hiperplástico persistente, é uma anomalia congénita, geralmente unilateral e acompanhado de outras malformações do segmento anterior, como microcórnea, câmara anterior estreita e processos ciliares mais alongados (17). No segmento posterior observam-se membranas vítreas e um pedículo contendo os restos da artéria hialoideia, assim como retracções e pregas na retina, com maior ou menor extensão.

O retinoblastoma além de ter uma história clínica diferente, é também distinguível do ponto de vista ecográfico e no TAC.
A doença de Norrie, é uma entidade rara, caracterizada por displasia retiniana, surdez e atraso mental, podendo mimetizar a retinopatia da prematuridade nos seus estadios mais avançados. Além de não estar associada a prematuridade, a leucocória é muito mais precoce (18).

Sintomatologia

Quer pelas suas características clínicas, quer pelo grupo etário em que se manifesta, não existem sintomas ou sinais que façam com que os médicos neonatologistas, ou as pessoas directamente envolvidas com estas crianças se possam aperceber da iminência da catástrofe que se vai desencadear. Importa, portanto, que os prematuros sejam observados, directamente ou por telemedicina, por oftalmologistas treinados e habilitados a seguir a evolução da retinopatia, e a identificar os mais precoces sinais de risco assim como a altura em que o risco desapareceu ou se tornou mínimo.

Deve ser definida como retinopatia de risco, a retinopatia em que se manifesta qualquer das seguintes situações (19): 1) retinopatia pré-limiar, 2) retinopatia limiar, 3) qualquer estadio de retinopatia, desde que acompanhado de doença “plus” e 4) estadio 3 com doença “plus”. A terceira categoria pode ser considerada uma subcategoria da primeira, mas deve ser separada para realçar o considerável aumento de risco dos olhos com doença “plus” (20). A quarta categoria representa uma fracção de olhos da primeira e da segunda, que têm risco de grave evolução e que assim foram identificados no “Early Treatment for ROP trial” (21) .

São indicadores de que o risco é mínimo: 1) a vascularização da zona III, sem retinopatia prévia na zona I ou II, 2) a vascularização completa da retina, e 3) uma idade de 45 semanas, após a última menstruação, sem nunca ter tido retinopatia pré-limiar ou pior (19).

A forma e a localização no tempo em que os bebés prematuros devem ser rastreados para identificação daqueles que devem ser tratados será desenvolvida num dos capítulos subsequentes.

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